Análise em produtos industrializados de frutas constata que alguns sequer têm vestígio de frutas
Qualidade de vida, em grande parte, está vinculada a uma alimentação apropriada e o consumo de frutas é extremamente importante num cardápio saudável. Entretanto, montar esse cardápio diversificado dá certo trabalho e demanda tempo, quesito cada vez mais raro na vida dos consumidores. É aí que os produtos industrializados, muitas vezes, tornam-se uma opção mais prática para complementar essa alimentação. Mas na hora de escolher essa substituição é bom ficar atento para não levar gato por lebre.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec avaliou 18 produtos, entre iogurtes, pós para refresco, néctares, gelatinas, sorvetes e isotônicos e constatou que oito deles não têm nem vestígio de frutas e os demais apresentam quantidades bem pequenas, no máximo 10%, do conteúdo, mas há vários deles com cerca de 1%.
De acordo com Carlos Monteiro, líder do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), consultado pelo Idec, a quantidade de polpa nesses produtos é muito pequena para que eles possam oferecer algum dos benefícios intrínsecos às frutas. “A vantagem das frutas é que elas concentram grande quantidade de nutrientes, vitaminas e minerais, e fornecem pouca energia [calorias]. Já os alimentos que fazem alusão a elas não são nada nutritivos, além de terem muito açúcar”, compara.
Nessa avaliação, constatou-se que apesar das referências à fruta terem grande destaque nos rótulos, ocupando grande parte da embalagem em boa parte dos produtos, na lista de ingredientes ela fica quase escondida ou não aparece. De acordo com o Idec, o mais grave é que as empresas não informam claramente no rótulo que o alimento não contém fruta e, quando contém, qual o seu percentual em relação ao restante dos ingredientes. “As figuras e frases que fazem alusão à fruta são o grande chamariz do produto, mas não correspondem à sua real composição. E como o consumidor não é adequadamente informado disso, pode ser induzido a erro”, aponta Mariana Ferraz, advogada do Idec responsável pela pesquisa.
Entre os alimentos pesquisados, apenas três não usam imagens de fruta (fresca ou estilizada): os isotônicos Gatorade e Marathon, e a gelatina Dr. Oetker, mas destacam o nome da fruta que dá sabor ao produto, além de usar cores a ela associadas. O Gatorade é um dos oito produtos que não contém fruta em sua composição, como se nota ao conferir a lista de ingredientes, apesar de não haver na embalagem qualquer frase que alerte para isso. O mesmo ocorre no caso do isotônico Marathon, da gelatina Dr. Oetker e do sorvete Kibon. Os demais produtos que não contêm fruta (isotônico Taeq; gelatinas Frutop e Royal; e o sorvete Napolitano da Nestlé) trazem, em geral, muito discretamente, algum tipo de alerta. “A alusão à fruta sempre tem muito mais destaque na embalagem que a advertência de que o alimento não contém esse ingrediente”, critica Mariana Ferraz.
Em relação aos outros dez produtos analisados, é possível constatar a presença de fruta porque a polpa está relacionada entre os ingredientes, mas apenas os refrescos em pó Camp, La Frutta e Tang informam qual o seu percentual: 1%, nos três. Ou seja, quase nada, apesar do destaque imagem estampada no rótulo.
Os demais alimentos não indicam no rótulo quanto têm de fruta. Além de esconder essa informação dos consumidores, duas empresas também se recusaram a fornecer esse dado ao Idec: Batavo, fabricante do iogurte Kissy, e Danone, que produz o iogurte Danoninho (esta alegou que se trata de informação confidencial).
O Idec destaca que não é por acaso que só os refrescos possuírem o percentual da polpa em seus rótulos, mas sim porque eles são obrigados pela Portaria no 544/98 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estabelece que essa categoria de alimento deve conter, no mínimo, 1% de fruta.
Essa regra, no entanto, é exceção. As demais normas que tratam da rotulagem de alimentos, embora preconizem o direito à informação do consumidor quanto às características e à composição do alimento, não obrigam os fabricantes a informar expressamente se o produto que faz alusão a frutas contém esse ingrediente e nem a sua quantidade. “Por conta dessa lacuna normativa, as empresas acabam descumprindo o dever de informar”, constata a advogada do Idec.
Outro problema detectado além da alusão a frutas foi que alguns alimentos pesquisados também se valem de outros apelos para sugerir que o produto é saudável. Na embalagem do sorvete Balance Napolitano Kibon, por exemplo, há uma inscrição que diz que o produto tem “47% menos gordura” sem explicitar qual a referência que usa para chegar a essa redução, ao consumidor mais atento fica a pergunta: Menos gordura que o quê? O néctar Maguary dedica uma face inteira da caixinha a “dicas” que associam o consumo do produto a hábitos saudáveis. E todas as marcas de refresco em pó usam termos como “rico em vitaminas”. O refresco Tang Pró, por exemplo, usa expressões como “mix de vitaminas”, “para que as crianças cresçam saudáveis” e afirma que o produto “contribui para o desenvolvimento mental”.
O Idec enviou o resultado da pesquisa à Anvisa, ao Mapa e ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão do Ministério da Justiça, e pediu o aperfeiçoamento da regulação do tema, sugerindo que se torne obrigatório informar no rótulo a porcentagem de fruta presente no produto de forma clara e ostensiva, e também disponibilizar tal dado em outros canais de interação entre a empresa e o consumidor, como site e Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). O Instituto também quer que seja proibido fazer alusão à presença de fruta de forma desproporcional ao real conteúdo do alimento, e que os produtos que fazem referência a frutas, mas não as contêm, informem isso mais claramente.
Fonte: IDEC