Por Marit Kolby
O clássico “O guia do mochileiro das galáxias”, de Douglas Adams, conta a história de um humanoide hiperinteligente que começa a construir um computador do tamanho de um pequeno planeta. Sua ideia era encontrar a resposta para a questão definitiva da vida, do universo, de tudo. Após milhões de anos de processamento, o computador afirmou: “Eu tenho uma resposta para você, mas você não vai gostar dela. A resposta é 42”. O resultado, é claro, não fez sentido, e o computador explicou: “Acho que o problema é que você simplesmente não entendeu a pergunta”.
É tentador fazer um paralelo dessa história com a área da ciência nutricional. Pesquisadores têm usado métodos cada vez mais complexos para tentar responder à nossa versão da questão definitiva – o que devemos comer? Dados gerados por ciências como genômica, transcriptômica, proteômica e metabolômica são alimentados pela nossa versão de supercomputador: a biologia de sistemas. É a nossa busca pela resposta definitiva. Mas temos chegado a respostas contraditórias, e, entre os profissionais da área, o debate é polêmico e controverso. Quem está certo (se é que alguém está)?
Nutricionismo
Desde o início da ciência nutricional, que deu seus primeiros passos há cerca de um século, com a descoberta das vitaminas, nossa abordagem sobre alimentos tem sido reducionista. É claro que a área nos deu um conhecimento vital sobre comida, mas também criamos a ilusão de que combinar nutrientes é tudo o que importa. Esse pensamento, hoje, é conhecido como nutricionismo. No mundo do nutricionismo, leite é o mesmo que cálcio e peixes gordurosos se resumem a ômega-3. E, com base no conteúdo nutricional, damos conselhos sobre como seguir uma dieta saudável. Mas isso é insuficiente para entendermos como os alimentos realmente nos afetam.
Orientações nutricionais feitas pela maioria das autoridades de saúde avaliam a comida com base em calorias, gordura saturada, sal e fibras. Nessa lógica, por exemplo, a manteiga não é saudável – tem alto teor de gorduras saturadas. Na prática, outros fatores interferem em como populações lidam com a alimentação.
Hoje, a obesidade é o principal fator de desenvolvimento de doenças relacionadas à alimentação – com isso, questões sobre alimentos que engordam ou emagrecem estão no centro do debate. Nesse sentido, populações costumam ignorar orientações dietéticas oficiais emitidas pelos governos. Na mídia, nutricionistas autodidatas (e por vezes com viés comercial) têm liderado o caminho. Eles facilmente apontam certos alimentos – como frutas ou mel – como fonte ou solução de nossos problemas de saúde. Com este cenário, a confusão está completa.
Você é o que você come
Todos temos opiniões sobre alimentos e nutrição porque todos comemos – e o que comemos nos define. Nas mesas, encontramos diferentes ideologias dietéticas representadas. Alguns comem low-carb (a dieta com baixo teor de carboidratos), enquanto outros optam pela dieta cetogênica (quase totalmente sem carboidratos). Alguns são veganos devotos, alguns flexitarianos (vegetarianos flexíveis) e outros nadam contra a corrente da sustentabilidade e encontram novos significados para uma dieta carnívora – baseada somente em alimentos de origem animal. Na busca pela dieta perfeita, o prazer, a cultura e as tradições acabam sendo deixados de lado.
O grau de processamento importa
Kevin Hall, pesquisador-sênior do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, cansou-se da “guerra de dietas” e criou um estudo com uma nova abordagem na ciência nutricional. A pesquisa testou o efeito de alimentos ultraprocessados (opções processadas na indústria a ponto de perder seu potencial de benefícios à saúde) em comparação a alimentos minimamente processados (como arroz ou feijão, que passam apenas por colheita, limpeza, separação, ensacamento).
No estudo, voluntários saudáveis foram mantidos em isolamento por um mês, e divididos em dois grupos. Nas primeiras duas semanas, um grupo se alimentou de uma dieta não processada, enquanto o outro recebeu uma dieta ultraprocessada. Nas duas semanas seguintes, as dietas foram invertidas. Ambos os cardápios eram similares em termos de calorias, gordura, proteína, carboidratos, sal e fibras – e os participantes podiam comer o quanto quisessem.
E então, o que aconteceu? Ao serem expostos alimentos ultraprocessados, os participantes comeram mais e ganharam peso. Quando expostos à dieta não processada, houve perda de peso, mesmo sem restrição de alimentos. Os resultados deste estudo deram novas ideias aos profissionais de nutrição do mundo todo. Mas isso não é, realmente, uma novidade.
Populações tradicionais já sabiam
Durante a maior parte da existência da humanidade, a resposta para a pergunta sobre o que devemos comer era: qualquer coisa que estiver disponível. Dietas foram determinadas pela geografia local e sua flora e fauna. Se você tivesse nascido na Groenlândia, sua dieta teria animais marinhos, terrestres e pássaros. A maior parte da energia viria da gordura. Se você fosse da Bolívia, arroz, milho, raízes e frutas estariam no menu, acompanhados, esporadicamente, de carne e peixe. A maior parte da energia viria, então, de carboidratos.
Diferenças do tipo também seriam encontradas no Quênia, na Tanzânia e nas ilhas do Pacífico. Populações tradicionais desses lugares tinham peso corporal normal e boa saúde mesmo tendo dietas totalmente diferentes do ponto de vista da ciência nutricional. O denominador comum era o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados. Refeições eram preparadas na hora do consumo, e os alimentos eram preservados com métodos simples, que mantinham intacta a qualidade dos alimentos.
Qualidade, e não quantidade, no centro da avaliação nutricional
A ciência nutricional tem buscado por quantidades certas de caloria, gordura, proteínas, carboidratos, sal e fibras, e as respostas têm sido conflitantes. Será que nós, como o personagem de Douglas Adams, simplesmente não entendemos a pergunta?
A questão sobre o que devemos comer não passa apenas por nutriente, mas deve incluir temas como a preservação da qualidade dos alimentos frescos. Não se pode atingir isso apenas mudando o tipo de gordura, retirando sal ou adicionando fibra a produtos industriais ultraprocessados. A pesquisa em nutrição já nos deu uma resposta que faz sentido e que está de acordo com o que temos praticado na maior parte de nossa história evolucionária: refeições frescas preparadas com alimentos in natura ou minimamente processados. Mas talvez você não goste da resposta.
Sobre a autora
Marit Kolby é cientista de alimentos e bióloga nutricional pela Universidade de Oslo, na Noruega.
Este artigo foi originalmente publicado no Morgenbladet, um jornal semanal norueguês que cobre assuntos como política, cultura e ciência. E no Brasil foi publicado pela Agência Bori.