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19 nov 2024, ter

Doença de Chagas: açaí contaminado pode ser principal transmissor

Doença de chagas

Estudo avalia 2.470 casos da doença transmitida via oral na América Latina, principalmente na Bacia Amazônica

Dr. Miguel Morita Fernandes Silva, cardiologista. Foto: Guto Lavigne

     Pela primeira vez, um estudo resume a distribuição geográfica, a fonte de infecção e a letalidade da doença de Chagas aguda transmitida via oral.

     Todos os 2.470 casos relatados desde 1965 ocorreram na América Latina e foram causados ​principalmente ​pela ingestão de açaí contaminado.

     A taxa de letalidade foi de aproximadamente 1%. O estudo – Case-fatality from orally-transmitted acute Chagas disease: a systematic review and metanalysis – (Letalidade por doença de Chagas aguda transmitida por via oral: uma revisão sistemática e metanálise) foi publicado no dia 9 de agosto na Clinical Infectious Diseases (CID – Doenças Infecciosas Clínicas), revista da Associação Americana de Doenças Infecciosas.

    Segundo um dos autores do estudo, Miguel Morita Fernandes Silva, cardiologista da Quanta Diagnóstico por Imagem e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e Universidade Federal do Paraná (UFPR), os resultados oferecem informações para políticas públicas que podem ajudar a reduzir o impacto da doença de Chagas sobre a população.

  Como sempre, a prevenção é fundamental.

    Embora a infecção por vetor (o inseto conhecido como “barbeiro”, que tem o Trypanosoma cruzi, parasita que causa a doença,) já tenha sido a mais comum, atualmente, no Brasil, a transmissão alimentar é responsável por até 70% dos casos.

   “Nas últimas duas décadas, os casos agudos de doença de Chagas relacionados ao consumo de alimentos contaminados ocorreram com maior frequência na Bacia Amazônica, em áreas com alta produção e consumo de açaí”, explica Dr. Morita.

   Quase metade dos casos foi diagnosticada no Pará, principal região produtora de açaí do mundo.

   Há como prevenir a contaminação e há medidas até obrigatórias em alguns estados, como Amapá e Pará, mas, segundo o estudo, nenhum programa de fiscalização por órgãos governamentais foi implementado para controlar a produção.

   Cerca de 10% da produção brasileira de açaí é exportada, o que corresponde a seis mil toneladas de celulose de açaí.

   Aproximadamente 90% dessa produção são destinados aos Estados Unidos e ao Japão. Até onde se sabe, no entanto, até o momento não há relato de doença de Chagas adquirida por via oral fora da América Latina.

   Outra população sob risco de contaminação, porém, são os viajantes que visitam a América Latina, onde é consumido o suco fresco do açaí com potencial de contaminação:

   “É importante que os consultores de saúde em viagens aconselhem os visitantes a evitar alimentos que tenham potencial contaminante ou a se certificar da origem e da segurança do alimento”, alerta o autor do estudo.

   Casos relatados de doença adquirida oralmente na Venezuela, Colômbia, Bolívia e Guiana Francesa não estavam relacionados ao consumo de açaí, mas de produtos mais populares nesses países, como majo, goiaba e manga.

Prevenção

Dr. Miguel Morita alerta ainda que o mal de Chagas é considerado uma doença negligenciada e que a transmissão oral da doença pode ser evitada com o controle do processamento de alimentos.

   Geralmente, o suco de açaí é preparado manualmente, durante a noite, quando os triatomíneos (“barbeiros”) são atraídos pela luz.

    “A contaminação pode ocorrer pela maceração dos triatomíneos no processamento da fruta ou pela deposição de suas fezes”, conta.

    Outra fonte de contaminação pode ser a da água usada no processamento da polpa por secreções de marsupiais infectados (os marsupiais são mamíferos que também podem ser contaminados pela doença).

O governo brasileiro já emitiu um conjunto de regulamentos para prevenir a contaminação de alimentos com T. cruzi. Por exemplo, o “branqueamento”, que consiste em submeter os frutos do açaí e do bacaba a uma temperatura de 80°C por 10 segundos e depois resfriá-los à temperatura ambiente.

    Outra ação preventiva é a pasteurização da bebida processada e posterior resfriamento. Infelizmente, segundo o estudo, não há programas de fiscalização por órgãos governamentais para controlar a produção de açaí.

   A doença de Chagas atinge 6 milhões de pessoas em todo o mundo e custa mais de 7 bilhões de dólares por ano para os sistemas de saúde.

    Embora seja há muito reconhecida como uma doença endêmica, restrita a países em desenvolvimento, a doença alcançou outras regiões do mundo nas últimas duas décadas, afetando imigrantes na Europa e nos Estados Unidos.

     Na América Latina, a doença causa cerca de 10 mil mortes por ano. Como nenhum tratamento específico se mostrou eficaz na prevenção de cardiopatias na doença de Chagas crônica, a detecção precoce e o tratamento na fase aguda são essenciais para reduzir seu impacto.

    Quando detectada e tratada adequadamente, na fase aguda a doença pode se resolver em 50-80% dos casos.

   No entanto, muitas vezes a doença não é detectada na fase aguda, o que resulta em altas taxas de letalidade, conforme relatado em alguns surtos no Brasil.

   As principais causas de morte entre pacientes com doença de Chagas aguda são miocardite e encefalite.

   Na manifestação crônica da doença, 20-30% das pessoas infectadas desenvolvem complicações cardíacas, como a insuficiência cardíaca, e a morte súbita é responsável por 55-60% das mortes e fenômenos tromboembólicos por 10-15%.

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